Escrito por Kao Chian Tou
“Sanshou” literalmente significa “mãos avulsas” em chines, que pode ser
melhor entendido com o significado extendido de “golpes desferidos a
mão livre e sem roteiro pré-determinado”. Deste termo se deriva o
“combate com sanshou”, cuja abreviação é “sanda”. O torneio, por ser na
maioria daz vezes realizado sobre um tablado, também se chamava pelo
nome deste, o “leitai”.
Os registros hitóricos sobre formas afins são bem antigos, embora as chamassem por variados nomes.
A “Edicão ‘Jia’ das Varetas com Inscrições Descobertas em Juyan” (Juyan Hanjian Jia Pian)
menciona “combatendo em shanhou e luta livre”. Estas varetas se datam
da dinastía Han (206 aC a 260 AD); aqui se trata de uma das primeiras
aparições do termo “sanshou” num registro de importancia. Nesta
dinastía, as técnicas de luta com e sem quedas eram consideradas
modalidades distintas, no entanto era comúm um mesmo lutador as dominar
simultaneamente. Relatos durantes as dinastías Sui (581 a 618), Tang
(618 a 907) e Song (960 a 1297) fornecem evidencias de que ambas as
técnicas, com e sem quedas, eram usadas num mesmo torneio.
Pode-se
concluir que a forma de combate a mão livre da arte marcial popular
chinesa sempre esteve presente e vinha sendo documentada ao longo da
história deste país. Em épocas mais recentes, ela passou por fases
diferentes, bastante relacionadas à realidade em que a China vivía, sob
governos impotentes diante de agressões estrangeiras; posteriormente,
com a globalização, junto com as demais modalidades de wushu, ganhou
forças para se tornar uma modalidade dentro dos conceitos atuais.
Na segunda metade do século XIX e no início do século XX, várias
revoltas populares na China se utilizaram das habilidades marcias,
inclusive a mão livre, que se tornaram uma das principais
características aparentes destas revoltas. Nesta fase, o wushu como um
todo adquiriu, de forma mais acentuada, certas características
religiosas, místicas ou mesmo supersticiosas.
Com a Revolucão de 1911 foi fundada a república, no entanto a China
continuava a sofrer das mesma dificuldades da época do império. No
período da república, o wushu passou a ser associado fortemente ao
espírito de patriotismo na China e a sua manifestação prática, o
combate, passou a ter um significado especialmente relevante. Várias
tentativas de modernização ou inovação foram empreendidas.
Em 1908, a “bravura a mão livre” (quanyong) foi incluída no currículo do Liceu de Educação Física de Chongqing (Chongqing Tiyu Xuetang).
Em 1909 foi fundada em Shanghai a Associação Desportiva Jingwu (Jingwu Tiyuhui),
por iniciativa privada. Nela se incentivou a incorporação dos
conhecimentos modernos sobre o esporte na arte marcial e a padronização e
sistematização tanto das formas (rotinas) como dos métodos de treino e
extenso material didático foi publicado. Também se incentivou a
utilização de fotografías como ferramenta de arquivo técnico.
Em 1911 foi lançada a versão “Wushu Moderno” (Xin Wushu), incorporando vários conhecimentos do treinamento militar da época e possuía uma subdivisão chamada de “socos e chutes” (quanjiao) em que se permitiam ataques com cotovelo e joelho. No entanto esta versão não durou mais que vinte anos.
Em
1928, a Academia Central de Guoshu da China promoveu a Primeira Prova
Nacional de Guoshu, incluindo o torneio de “chutes e socos no tablado” (quanjiao leitai).
Outras provas foram promovidas subsequentemente. Com o desenrolar da
guerra de resistencia contra a invasão japonesa, esta academia perdeu
força, vindo a se fechar às vésperas da Libertação (Revolução de 1949).
Os maiores méritos da Academía Central foram as tentativas de se
enquadrar o wushu (inclusive o combate) em moldes modernos, com regras
de competição e protetores, promover o desenvolvimento e a difusão do
wushu através do apelo de patriotismos e a participação massiça dos
militares que trouxe muita vitalidade e objetividade à parte aplicada.
Várias academías oficiais também foram fundadas nos anos de 1930 e 1940
nas províncias, tendo algumas delas desempenhado um papel de importancia
na história do wushu, sempre com enfase em combate.
Em
1929, nas regiões administradas pelos comunistas na China, se fundou um
orgão responsável pela promoção do wushu, incluindo a modalidade de
combate.
Após a Revolução de 1949, o regime nacionalista da China se refugiou
para a província insular de Taiwan, onde, como tradição herdada da
Academía Central e suas filiadas, a aplicação prática do wushu sempre
foi muito valorizada. Em 1956 se realizou o primeiro campeonato da
pós-revolução na região sob administração nacionalista e o torneio de
combate sempre foi parte principal destes campeonatos que duram até os
dias de hoje. No entanto, em função de considerações técnicas e
estratégicas adotadas, os regulamentos sempre tiveram preocupações
excessivas, e por isso inadequadas de acordo com a opinião de uma boa
parcela de pessoas, limitando o desenvolvimento pleno desta modalidade.
No Sudeste Asiático, também como influencia da Academía Central da
China, de Taiwan e de Hong Kong, houve uma tentativa de se promover a
modalidade de combate através de torneios internacionais sob o nome de
“leitai”. O primeiro evento aconteceu em 1969 e o esforço seguiu ao
longo dos anos de 1970. Também o receio de acidentes restringiu bastante
seu desenvolvimento duradouro. Outros fatores limitaram o sucesso desta
iniciativa, eles teríam sido a ausencia de apoio e reconhecimento
oficiais, custo relativamente alto das despesas de viagens
internacionais comparado ao poder aquisitivo da época e o fato do evento
ter sido promovido entre países e regiões com uma população total
relativamente pequena.
Na parte continental da China, após a Revolução de 1949, se realizou
primeiro campeonato nacional de wushu em 1953, do qual a prova de
sanshou fez parte. No entento, na segunda metade dos anos de 1950, em
consequencia de um acidente mortal num torneio de boxe, se decidiu que
os torneios das modalidades de contato sejam suspensos temporáriamente.
Em seguida esta região da China se envolveu em conturbações políticas
que duraram até 1976 e as atividades desportivas e de artes marciais
práticamente foram paralisadas. Em 1978 as autoridades decidiram retomar
as atividades de sanshou e, no ano seguinte, tres entidades de ensino
superior reiniciaram os trabalhos de pesquisa e ensino de sanshou. Em
1979 houve um campeonato com caráter de demonstracao. Em 1981 se iniciou
o trabalho de elaboração do regulamento de sanshou junto com um
campeonato experimental. Estes campeonatos prosseguiram por alguns anos.
A primeira versão deste regulamento foi adotada oficialmente em 1983.
Em 1985 se relaizou o primeiro campeonato de sanshou da Polícia Militar
da China, que se prosseguiu em eventos anuais. Em 1987 sanshou se tornou
modalidade reconhecido pelo Comite Nacional de Esportes da China.
Fora da China, principalmente nos países do Ocidente e do Sudeste
Asiático e desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o wushu sempre esteve
presente como modalidade amadora, tendo sido introduzido pelos
imigrantes de origem chinesa. A aplicação prática, neste caso,
permaneceu dentro dos conceitos populares da época em que seus
introdutores saíram da China e era fortemente influenciada pelo
regionalismo que predominava em cada caso. Estes conceitos não
necessáriamente eram objetivos ou científicos e vieram a sofrer mudanças
mais significativas somento no fim da década de 1980 quando a China
tomou a iniciativa de promover wushu a nível internacional; mesmo assim a
mudança não foi genérica.
Em 1988, se realizou o Primeiro Festival de Wushu da China e o Terceiro
Campeonato Internacional Invitacional de Wushu em Hangzhou, China,
durante o qual a prova de sanshou contou com a participação de atletas
provenientes de 15 países. O Brasil participou através da Academía
Sino-Braisleira de Kungfu.
Em 1989 se ralizaram o Primeiro Campeonato
Nacional de Sanshou na China e a prova de sanshou em Estocolmo como
parte do Terceiro Campeonato Europeu de Wushu. Em 1991 sanshou foi
modalidade de demonstração no primeiro Campeonato Internacional de Wushu
em Beijing e em 1993 passou a ser modalidade oficial no segundo
Campeonato Internacional de Wushu, em Kuala Lumpur. A primeira Copa
Mundial de Sanshou se realizou em 2002, em Shanghai. Em 2001 a China
iniciou edições anuais de Kungfu Super King, um evento
profissionalizante, no qual muitos atletas estrangeiros de outras artes
marciais lutaram sob convite.
Na primeira metade do século XX, vários praticantes de wushu se
destacaram como exímios lutadores, entre eles: Huo Yuanjia, Wang Ziping,
Gu Ruzhang, Zhu Guozheng e Wan Laisheng, a maioria deles era vinculada à
Academía Central da China. Da geração seguinte, além do nome Cai
Longyun que merece ser mencionado, os alunos das academías oficiais
tiveram o maior destaque. Desde o fim da década de 1970, várias gerações
de atletas chineses e de outros países contribuíram com suas
participações em respectivas épocas. Dos melhores lutadores chineses
estão os seguintes nomes: Tong Qinghui (segunda metada dos anos 70 até
meado dos anos 80), Zhuang Hai (ao longo dos anos 80), Chen Chao (anos
90) e vários de uma geração mais recente no inicio dos anos de 2000:
Geri Letu, Li Jie, Zhao Zilong, Xue Fengqiang, Qiao Xiaojun, Baoligao e
Liu Hailong. Após estes, várias safras novas surgiram. Do Brasil devemos
salientar os seguintes nomes: James Ayres (primeiro campeão mundial
brasileiro/1991), Luiz Carlos Pessanha (vice-campeão mundial/1991),
Eduardo Fujihira (único detentor de títulos de campeão mundial de wushu e
de kuoshu), Emerson de Almeida (Kung Fu King 85 kg/2008), Roberto
Neves, Edson Aparecido da Silva, Ariana Ortega e Ana Fátia, entre
outros. Atualmente os países com melhor nível de sanshou são China,
Vietnam, Coréia, Rússia, Irã, Egito e Brasil.
Ao combate de wushu sempre se atribuíam quatro tipos de técnicas de
ataque, a saber: o bater, chutar, projetar e imobilizar e a defesa
contra estas. Apesar da enfase mais ou menos acentuada sobre parte delas
em períodos diferentes e da formação de uma modalidade separada somente
de quedas, estas técnicas permanecem como a essencia de sanshou,
complementadas por esquivas e pelo resultado de treinos para o aumento
de folego e resistencia a golpes. Atualmente a imobilização não é
permitida na maioria das versões de torneio de sanshou. Além das
técnicas, há outros ingredientes considerados primordiais: velocidade,
precisão e potência.
Desde
cedo se discutiu muito e analisou a adoção ou não de protetores e o tipo
a ser adotado. Na Primeira Prova Nacional, não se usavam protetores no
torneio de “leitai”, no entanto na Segunda Prova Nacional os protetores
já havíam sido adotados. Variados tipos de equipamentos foram
experimentados ao longo do tempo e hoje, dependendo da modalidade, se
adota um ou outro. Pode-se afirmar que a versão mais difundida de
sanshou, em vários aspectos (organizacional, técnica, de regulamento,
participação e difusão etc.) é a da International Wushu Federation-IWUF e
da Copa Mundial de Sanshou, enquanto as versões adotadas pelo Kungfu
King e Art of War na China, eventos profissionalizantes, são as mais
evoluídas. A primeira usa ringue aberto, capacete aberto, colete, luvas
inteiras, protetor de dentes, e coquilha. A segunda adota ringue
cercado, luvas inteiras, coquilha e protetor de dentes enquanto o
último, ja no ambito de MMA, adota apenas luvas com dedos expostos e
protetor de dentes.
Com o esforço contínuo para aperfeiçoamento empenhado pela corrente
principal liderada pela IWUF e suas afiliadas, com a interação cada vez
maior do sanshou com outras modalidades de contato e com a inclusão de
conhecimentos modernos de ciencias tais como biomecanica, medicina e
administração, o sanshou busca um caminho de evolução saudável e
douradouro que o transforme numa combinação racional de arte milenar
chinesa e modalidade moderna. Este esforço só terá sucesso se a
criatividade, bom senso, respeito à tradição, senso de responsabilidade e
conhecimento academico desempenharem seu devido papel.
A inclusão do wushu como evento paralelo nos Jogos Olímpicos de Beijing
em 2008 é um reconhecimento do esforço que a comunidade de wushu vinha
fazendo ao longo de muitos anos e constitui um grande incentivo. O
Brasil esteve sempre presente a partir do primeiro momento em que tais
esforços entraram no campo internacional. A Confederação Brasileira de
Kungfu/Wushu está determinada a seguir trilhando o mesmo caminho que
seus fundadores optaram, trabalhando em conjunto com a IWUF em prol do
wushu.
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